Instalação pedagógica da região metropolitana do RJ explicita conflitos do modelo de desenvolvimento

A manhã do segundo dia no III Encontro Nacional de Agroecologia foi dedicada às instalações pedagógicas, que buscaram refletir em imagens, cheiros e gostos as caravanas realizadas em todo o Brasil no processo de preparação para o encontro.

Por Alan Tygel, MST-RJ

Remoções, poluição e violência são contrastados com agricultura urbana, pesca artesanal e agroecologia

A manhã do segundo dia no III Encontro Nacional de Agroecologia foi dedicada às instalações pedagógicas, que buscaram refletir em imagens, cheiros e gostos as caravanas realizadas em todo o Brasil no processo de preparação para o encontro. O III ENA reúne cerca de 2 mil pessoas em Juazeiro (BA), entre os dias 16 e 19 de maio, em torno do tema “Cuidar da Terra, Alimentar a saúde, e cultivar o futuro”.

Emília Jomalinis saudando as delegações dos outros estados com música.
Emília Jomalinis saudando as delegações dos outros estados com música.

A caravana agroecológica da região metropolitana do Rio de Janeiro foi realizada entre os dias 19 e 21 de novembro de 2013. Organizada pela Articulação de Agroecologia do RJ, a caravana percorreu territórios como a Vila Autódromo, comunidade urbana ameaçada de remoção, o maciço da pedra, onde se produz alimentos em plena cidade do Rio, e o assentamento de Marapicú, que retrata a luta pela terra em Nova Iguaçu.

Emília Jomalinis foi uma coordenadoras da instalação. Ela reforçou a conexão entre as instalações e as caravanas: “A caravana faz pensar o território. É sair da experiências individuais e entender o contexto no qual elas estão inseridas, e suas relações de poder.”

“Estamos em pleno caos”

Campanha Pare TKCSA na área de caos da instalação pedagógica do RJ.
Campanha Pare TKCSA na área de caos da instalação pedagógica do RJ.

O percurso da instalação pedagógica teve início no caos gerado pelo modelo de desenvolvimento em curso na região. Foram representadas violações como a chuva de prata causada pela siderúrgica TKCSA, que funciona há anos sem licença ambiental e vem inviabilizando a vida na região de Santa Cruz. A Copa do Mundo também sofreu críticas através da adaptação de uma famosa marchinha de carnaval: “Se você pensa que a copa é nossa, a copa não é nossa não, a copa é das empreiteiras, não sobra nada pro povão.”

“Nós não somos invisíveis”

A invisibilidade da agricultura no Rio de Janeiro mereceu destaque. A instalação buscou mostrar “a cidade que a gente quer”, onde é possível a convivência do meio urbano com a agricultura. A agricultura urbana, além de todos os problemas, ainda é criminalizada, como é o caso das comunidades da Pedra Branca. Remanescentes de quilombolas, as famílias vivem na região há décadas e estão ameaçadas de remoção por estarem dentro de um parque estadual.

Rede simbolizou os laços construídos entre as diversas formas de resistência ao modelo de desenvolvimento. (Foto: Renato Cosentino).
Rede simbolizou os laços construídos entre as diversas formas de resistência ao modelo de desenvolvimento. Foto: Renato Cosentino

A resistência de quem luta pela terra e faz agroecologia não é diferente daquela dos pescadores e pescadoras em defesa do seu território pesqueiro. Uma rede foi estendida no meio dos participantes simbolizando os laços construídos entre as diversas formas de resistência ao modelo de desenvolvimento.

A instalação também buscou mostrar que esta resistência existe na agroecologia, na agricultura urbana, nas feiras da roça e no fornecimento de merenda escolar por pequenos agricultores. Entre o mar e as montanhas, entre uma siderúrgica e um complexo petroquímico, existe um sertão carioca resistente no Rio de Janeiro.

O funk também foi lembrado como expressão da resistência fluminense. O estilo musical se tornou estigmatizado, pois assim como o samba, veio das favelas e gerou resistência da sociedade conservadora. MC Leonardo foi lembrado com a música Tá tudo errado: “Tem gente plantando o mal, querendo colher o bem!”.

Homenagem

Homenagem a Gilcilane Pereira, agricultura que foi barbaramente assassinada no dia 15 de maio, no assentamento Zumbi dos Palmares, em Campos dos Goytacazes, norte fluminense.
Homenagem a Gilcilane Pereira, agricultura que foi barbaramente assassinada no dia 15 de maio, no assentamento Zumbi dos Palmares, em Campos dos Goytacazes, norte fluminense.

Provando que a agroecologia não se faz sem a luta pela terra, os participantes fizeram uma homenagem Gilcilane Pereira. A agricultura foi barbaramente assassinada no dia 15 de maio, no assentamento Zumbi dos Palmares, em Campos dos Goytacazes, norte fluminense. Foi a quarta morte no local desde janeiro de 2013, quando Cícero Guedes e Regina dos Santos perderam a vida na luta pela terra. Em fevereiro deste ano, Carlos Eduardo Cabral Francisco também foi assassinado.

Sistematização

Todas as instalações pedagógicas tiveram, além do relato em texto, fotos, e vídeos, uma sistematização gráfica a partir de desenhos elaborados durante a atividade. Na instalação da região metropolitana do Rio de Janeiro, o relator gráfico foi Ramon Teixeira, de Minas Gerais. Desde 2009 ele dá aulas no Sindicato Rural de Espera Feliz, onde teve o primeiro contato com a agroecologia.

Resultado da facilitação gráfica feita por Ramon Teixeira, de Minas Gerais. (Foto: Renato Cosentino)
Resultado da facilitação gráfica feita por Ramon Teixeira, de Minas Gerais. Foto: Renato Cosentino

Apesar do belo resultado, Ramon diz que a facilitação gráfica foi novidade pra ele. “O que eu fiz aqui foi apenas unir algumas coisas que já faço. Desde pequeno eu desenho, e pra estudar pra prova eu uso fluxogramas. Aí eu uni as duas coisas, pra trazer de forma sintética e bem divertida, animada os elementos que foram aparecendo na conversa, que foram sendo trazidos para o círculo. Não dá pra colocar tudo, mas é muito mais divertido do que ler 30 páginas. E pra quem quiser um aprofundamento, tem o relatório escrito, que preenche as lacunas do desenho”.

Debate

As falas dos participantes trouxeram experiências semelhantes em todo o território nacional. Conflitos com a mineração e pela água em Minas Gerais, e com o agronegócio na chapada do Apodi foram trazidos como outras denúncias dos danos causados pelo modelo de desenvolvimento. Do Piauí, vieram relatos sobre a importância a agroecologia no processo de organização dos trabalhadores e trabalhadoras. “Antes de conhecer a agroecologia eu trabalhava para os outros, para o veneno. A agroecologia ajudou na nossa organização e na qualidade de vida.”

Agricultora Elzude, de Érico Cardoso (BA), que cantou uma música em homenagem ao Rio. (Foto: Renato Cosentino)
Agricultora Elzude, de Érico Cardoso (BA), que cantou uma música em homenagem ao Rio. Foto: Renato Cosentino

A agricultora Elzude, de Érico Cardoso (BA), gostou tanto da instalação que cantou uma música em homenagem ao Rio. “Foi uma coisa muito importante para minha vida, principalmente na parte sentimental, por expressar a vida do campo e a vida dos nossos povos tombados, por serem lideranças da agricultura familiar. Pela resistência a esse regime é que nós vivemos. Sou sindicalista desde a minha mais tenra idade”, disse ela.

Emília afirmou a importância do diálogo que a instalação proporciona, ao possibilitar a participação de pessoas de todo o Brasil em uma caravana:

“Quando a gente faz o diálogo da nossa experiência com as outras a gente percebe que estamos falando em última instância do modelo de desenvolvimento. Que ator do agronegócio no oeste da Bahia tem muita semelhança com as forças hegemônicas da região metropolitana do Rio de Janeiro. A agroecologia se insere num debate maior de um modelo de desenvolvimento para além do capital.”

2 comentários

  1. Parabéns por nos possibilitar acompanhar o III ENA a distância.
    Excelentes reportagens e registros fotográficos.
    Só ainda não li sobre a instalação que traz os conflitos e impactos do Projeto Minas Rio, particularmente as questões relacionadas aos atingidos do Açu em São João da Barra. E também sobre os conflitos com a construção da barragem em Guapiaçu.
    Bom trabalho!

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