“O que essas lutas e histórias fazem na região de vocês?”

Por Eduardo Sá, do Jornal Fazendo Media

Essa foi a pergunta formulada pela comissão organizativa, que convocou uma plenária para colher os relatos locais de denúncias e exposições de experiências que buscam outro modelo de desenvolvimento. A mesa observou que estamos vivendo um processo de encurralamento da agricultura familiar nos últimos 20 anos, no qual grandes corporações chegam e acabam com a história e o futuro dessas comunidades.

“Esses grupos não caíram do céu, essa trajetória foi planejada por políticas públicas do Estado. Não é contradição, é coerência com determinado modelo. Usam o artifício da criminalização dos movimentos que o contrapõem. É preciso romper com a ideologia do progresso, que é reforçado pela mídia. Lutar pelo território é lutar contra a invisibilidade imposta”, afirmou um dos organizadores que mediou a mesa.

Abaixo seguem os relatos da Plenária:

Everaldo (agricultor ecológico de Sergipe) – O agronegócio está chegando a nossas ervas, e não estamos conseguindo mais plantar. Queremos expor mais nossos produtos à venda, mas a burocracia é grande no mercado. O sertão sergipano está sendo atingido em nossa cultura orgânica.

Ermelinda (quilombolas Maranhão) – Há um mês e meio as comunidades quilombolas no Maranhão ocuparam o INCRA e o Palácio do governo. Estamos num processo de luta. Tem quilombos há mais de 100 anos, de terra doada pelo imperador, que não recebeu titularidade. A maioria está em terras devolutas do Estado, enquanto isso a iniciativa privada age ferozmente nessas terras e nos expulsa. Continua a resistência desde a balaiada.

Noemi (Mulheres Camponesas oeste Santa Catarina) – Santa Catarina foi o 4º lugar no monocultivo ano passado, em termos de proporção. Segundo lugar em índice de suicídio, relacionado ao agrotóxico, crianças com leucemia desde pequenas, etc. Lutamos contra a fumicultura [tabaco], fazem de nós cobaias para as grandes empresas implantarem seus projetos. Nossa preocupação é com o alimento nas mesas de casa, avanço da conscientização da família na produção e consumo.

Lourdes (MST- Ceará) – Primeiro existia a indústria da seca e cultura de negação da região nordestina, agora é um momento inverso: governo e empresas dizendo que é o paraíso, a modernização do atraso. Na Chapada do Apodi, onde tem o segundo maior lençol freático do nordeste, o governo decidiu ser o maior pólo econômico com a exportação de frutas. Multinacionais, sobretudo dos EUA, equipamentos modernos e fertilizantes e agronegócio, tudo com muito recurso do Estado para sua infraestrutura. Desapropriação, incentivo fiscal, construções para acesso, etc. O governo é extremamente eficiente para fazer as empresas chegarem, mas ineficiente para fiscalizar. Com a morte de um morador foi criado o Movimento 21, de vigilância ambiental e na saúde. Consciência e lutas de enfrentamento para mudar esse cenário. A academia pesquisou durante 5 anos, comprovando os impactos.

Django (Movimento Luta Pela Terra – Minas Gerais) – Grandes empresas instaladas no triângulo mineiro, milícias reprimem a resistência, mas não perdemos a esperança. Chamamos isso de ofensiva destrutiva dos meios naturais. Essa formulação é contra nossa sobrevivência, o foco econômico passa por cima de quem for contrário. Já me ameaçaram várias vezes, isso me dá força para perceber que não devemos nos calar. Levarei esse aprendizado daqui para minha região, não estamos sós. São pessoas com objetivos e acreditam num mundo melhor.

Bernadete (Rede Agricultura Urbana – Rio de Janeiro) –Sou invisível, pois segundo os governantes não existe  agricultura no Rio. Mas tem vários agricultores enchendo as feiras. Além da invisibilidade tem a proximidade com as unidades de conservação, e a pressão dos megaeventos na cidade. São 3 trans [vias expressas] que vão cruzar a cidade, e ai de quem estiver na frente. Questão grave, junto com a especulação imobiliária. E a TKCSA ocupou Santa Cruz, , região de agricultura, e pressiona 19 agricultores de aipim tradicionais. O narcotráfico e a milícia também atrapalham a agricultura urbana na zona oeste do Rio. Em Vargem Grande uma milícia ocupou a associação e retirou os agricultores. Na Serra da Misericórdia, no Complexo do Alemão, por sua vez, tem uma bela experiência de agricultura com a Verdejar.

Derci (extrativista do Acre) – os desafios são maiores que nos anos 60 na cultura do extrativismo do látex, borracha. Nessa época os seringais foram desapropriados e ocupados por agropecuaristas do sul e sudeste. Pensamos em reservas extrativistas  como modelo fundiário, mas o extrativismo faliu e acabaram estimulando a agropecuária aos extrativistas. Temos florestas ameaçadas, expansão da exploração madeireira nativa pelo Projeto de Desenvolvimento Florestal Comunitário pelo governo. Só que em termos de exploração é a mais predatória, diferente da castanha e seringueira porque continuam disponíveis anos depois.

José Martinho (agricultor Manaus) – Nossa comunidade Novo Paraíso hoje é um inferno. A comunidade vive de agricultura familiar e sofre com os grileiros. Uma construtora chamada Eletroferro forjou seu título e ocupou diversos territórios. 5 famílias dominam o Estado, e nós que moramos há 60 anos estamos sendo expulsos. Projetos não levam a população em consideração. Há muita pressão imobiliária na região. Percebemos aqui que estamos ainda mal articulados, só existe a Cáritas e a CPT de movimentos sociais em nossa região.

Regina (Paraíba) – Participamos na zona da mata, assentamentos estão pressionados por uma fábrica de cerâmica porque o minério é vasto nessa região. Estão desapropriando 2 mil famílias. Hoje (27) haverá uma audiência pública para debater a situação. Essas famílias produzem alimentos de merenda escolar.

David (CPT – Rio de Janeiro) – Em Campos, no norte fluminense, o empreendimento do Porto do Açu, do empresário Eike Batista, está devastando a cultura local. Vários agricultores estão sendo expulsos e o assentamento Zumbi dos Palmares, maior do Estado, vai ser atropelado por um trajeto facilitado pela prefeita Rosinha Garotinho.